segunda-feira, 7 de abril de 2014

A dívida dos Estados

Estimulados pelo comportamento ambíguo do governo e por seus próprios interesses político-eleitorais, os senadores da base aliada decidiram acelerar o exame do projeto de renegociação da dívida de Estados e municípios com a União. Pretendem votá-lo nas comissões na semana que se inicia, para que seja possível aprová-lo em plenário ainda no primeiro semestre. Poderão, então, dedicar-se à campanha eleitoral - sua, no caso de serem candidatos à reeleição ou a outros cargos, ou de seus aliados, entre os quais os postulantes à Presidência da República e aos governos estaduais -, na qual decerto apresentarão a aprovação do projeto como um dos maiores benefícios financeiros concedidos aos Estados e municípios em muitos anos.
Se aprovarem o projeto na forma como ele passou pela Câmara, certamente beneficiarão amplamente os devedores. No entanto, terão causado grave lesão à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que em 14 anos de vigência mudou o padrão de comportamento dos gestores púbicos, aos quais impôs critérios rigorosos para o uso do dinheiro do contribuinte. Por isso, embora trate de um problema que precisa ser resolvido, o projeto representa séria ameaça à estabilidade das finanças públicas.
O projeto original foi apresentado pelo governo no fim de 2012 e atendia, em tese, à antiga reivindicação de governadores e de parte dos prefeitos. A renegociação das dívidas no fim da década de 1990 (no caso dos Estados) e depois de 2001 (com as prefeituras) aliviou o caixa dos devedores. O indexador adotado na ocasião (o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna, IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas) era considerado o mais adequado para o credor (a União) e para os Estados e municípios devedores, com juros de 6% ou 9% ao ano, conforme o caso.
A longa vigência dessa regra, porém, impôs grandes ônus aos devedores, que, mesmo cumprindo todas as condições de amortização contratadas, viam o saldo devedor crescer. Por isso, o governo propôs a mudança do indexador para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do IBGE, com juros anuais de 4% ou a taxa Selic, o que for menor.
Havia um claro interesse político-partidário do governo, pois a medida, benéfica para todos os devedores, beneficiava de maneira escandalosamente generosa a Prefeitura de São Paulo, que a partir de 2013 seria chefiada pelo petista Fernando Haddad. Calcula-se que a mudança reduziria o saldo devedor da Prefeitura paulistana de R$ 54 bilhões para R$ 20 bilhões, diminuindo, concomitantemente, o comprometimento de recursos para a amortização e, assim, abrindo espaço para o aumento da dívida municipal para a execução de obras - o que é do maior interesse do PT neste ano eleitoral.
Embora tenha concordado com o texto aprovado em outubro pela Câmara, o governo, já às voltas com a aguda desconfiança a respeito da consistência da política fiscal, tentou retardar a decisão do Senado. Ela poderia, segundo temia o governo, acelerar a redução da classificação da dívida brasileira pelas agências de avaliação de risco financeiro. Mesmo sem a renegociação da dívida nas condições aprovadas pela Câmara, porém, a deterioração da política fiscal foi o bastante para o rebaixamento do Brasil pela agência Standard & Poor's.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ainda insistem em adiar a votação do projeto no Senado, pois, como alegam, neste momento a renegociação pode sugerir o aumento da dívida dos Estados e municípios e alimentar as dúvidas sobre o cumprimento das metas fiscais. A área política do governo, porém, não parece preocupada, como indica a facilidade com que a base governista no Senado decidiu votar a renegociação.
Que o problema precisa ser resolvido não se discute. Fazê-lo do modo como está sendo feito, no entanto, implica desrespeito ao artigo 35 da LRF, que proíbe a renegociação das dívidas dos entes federados com a União. Desrespeitar a LRF é como abrir caminho para a gastança irresponsável do dinheiro público, que tantos danos já causou ao País.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-divida-dos-estados,1149929,0.htm

terça-feira, 1 de abril de 2014

Empresários que apoiaram o golpe de 64 construíram grandes fortunas


As Organizações Globo conspiraram contra o governo de Jango e sustentaram a ditadura
As Organizações Globo conspiraram contra o governo de Jango e sustentaram a ditadura
Com mestrado na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo sobre os empresários e o golpe de 64 e em fase de conclusão do doutorado sobre os empresários e a Constituição de 1988, o professor Fabio Venturini esmiuçou os detalhes de “como a economia nacional foi colocada em função das grandes corporações nacionais, ligadas às corporações internacionais e o Estado funcionando como grande financiador e impulsionador deste desenvolvimento, desviando de forma legalizada — com leis feitas para isso — o dinheiro público para a atividade empresarial privada”. Segundo o pesquisador, é isto o que nos afeta ainda hoje, pois os empresários conseguiram emplacar a continuidade das vantagens na Carta de 88.
Em artigo no site Viomundo, Venturini cita uma série de empresários que se deram muito bem durante a ditadura militar, como o banqueiro Ângelo Calmon de Sá (ligado a Antonio Carlos Magalhães, diga-se) e Paulo Maluf (empresário que foi prefeito biônico, ou seja, sem votos, de São Paulo). Na outra ponta, apenas dois empresários se deram muito mal com o golpe de 64: Mário Wallace Simonsen, um dos maiores exportadores de café, dono da Panair e da TV Excelsior; e Fernando Gasparian. Ambos eram nacionalistas e legalistas. A Excelsior, aliás, foi a única emissora que chamou a “Revolução” dos militares de “golpe” em seu principal telejornal.
Sobre as vantagens dadas aos empresários: além da repressão desarticular o sindicalismo, com intervenções, prisões e cassações, beneficiou grupos como o Ultra, de Henning Albert Boilesen, alargando prazo para pagamento de matéria prima ou recolhimento de impostos, o que equivalia a fazer um empréstimo sem juros, além de outras vantagens. Boilesen, aliás, foi um dos que fizeram caixa para a tortura e compareceu pessoalmente ao Doi-CODI para assistir a sessões de tortura. Foi justiçado por guerrilheiros.
Brilhante Ustra foi desmentido quando afirmou que não havia tortura e assassinatos nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo
Brilhante Ustra recebia visitas de empresários durante as sessões de tortura e assassinatos nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo
Outros empresários estiveram na mira da resistência, como Octávio Frias de Oliveira, do Grupo Folha, que apoiou o golpe. Frias e seu sócio Carlos Caldeira ficaram com o espólio do jornal que apoiou João Goulart, Última Hora, além de engolir o Notícias Populares e, mais tarde, ficar com parte do que sobrou da Excelsior. Porém, o que motivou o desejo da guerrilha de justiçar Frias foi o fato de que o Grupo Folha emprestou viaturas de distribuição de jornal para campanas da Operação Bandeirante (a Ultragás, do Grupo Ultra, fez o mesmo com seus caminhões de distribuição de gás). Mais tarde, a Folha entregou um de seus jornais, a Folha da Tarde, à repressão.
– Se uma empresa foi beneficiada pela ditadura, a mais beneficiada foi a Globo, porque isso não acabou com a ditadura. Roberto Marinho participou da articulação do golpe, fez doações para o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes, que organizou o golpe). O jornal O Globo deu apoio durante o golpe. Em 65, o presente, a contrapartida foi a concessão dos canais de TV, TV Globo, Canal 4 do Rio de Janeiro e Canal 5 São Paulo – disse Fabio Venturini.
Globo lucrou
Ainda segundo o pesquisador, “na década de 70, porém, a estrutura de telecomunicações era praticamente inexistente no Brasil e foi totalmente montada com dinheiro estatal, possibilitando entre outras coisas ter o primeiro telejornal que abrangesse todo o território nacional, que foi o Jornal Nacional, que só foi possível transmitir nacionalmente por causa da estrutura construída com dinheiro estatal. Do ponto-de-vista empresarial, sem considerar o conteúdo, a Globo foi a que mais lucrou”.
Já que em 1985, no ocaso da ditadura, “Roberto Marinho era o dono da opinião pública”, acrescentou o professor.
Segundo Fabio Venturini, na ditadura imposta a partir de 1964 os militares se inspiraram na ditadura de Getúlio Vargas. Lembra que, naquela ditadura, o governo teve vários problemas para controlar um aliado, o magnata das comunicações, Assis Chateaubriand.
– No golpe de 64 o Assis Chateaubriand já estava doente, o grupo Diários Associados estava em decadência. O Roberto Marinho foi escolhido para substituir Assis Chateaubriand. Tinha o perfil de ser uma pessoa ligada ao poder. Tendo poder, tendo benefício, ele estava lá. A Globo foi pensada como líder de um aparato de comunicação para ser uma espécie de BBC no Brasil. A BBC atende ao interesse público. No Brasil foi montada uma empresa privada, de interesse privado, para ser porta-voz governamental. Se a BBC era para fiscalizar o Estado, a Globo foi montada para evitar a fiscalização do Estado. Tudo isso tem a contrapartida, uma empresa altamente lucrativa, que se tornou uma das maiores do mundo (no ramo) – afirma.
Venturini fala, ainda, em pelo menos dois mistérios ainda não esclarecidos da ditadura: os dois incêndios seguidos na TV Excelsior, em poucos dias, e a lista dos empresários que ingressaram no DOI-CODI para ver sessões de espancamento ou conversar com o comandante daquele centro de torturas, Carlos Alberto Brilhante Ustra. Ele comenta a tese, muito comum na Folha de S. Paulo, de que houve um contragolpe militar para evitar um regime comunista, o que chama de “delírio”.
Venturini também fala do papel de Victor Civita, do Grupo Abril, que “tinha simpatia pela ordem” e usou suas revistas segmentadas para fazer a cabeça de empresários, embora não tenha conspirado. Finalmente, explica a relação dos empresários com as nuances da ditadura pós-golpe. Um perfil liberal, pró-americano, em 64; um perfil ‘desenvolvimentista’, mais nacionalista, a partir de 67/68.
Fontehttp://correiodobrasil.com.br/noticias/brasil/empresarios-que-apoiaram-o-golpe-de-64-construiram-grandes-fortunas/694263/

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Sonegação dos ricos é 25 vezes maior que corrupção nos países em desenvolvimento

Marcelo Justo
Arquivo

Londres - Uma visão muito difundida sobre o desenvolvimento econômico afirma que os problemas enfrentados pelas economias em desenvolvimento e os países pobres se devem à corrupção. Essa visão se choca com um dado contundente da realidade internacional: a China. Nem mesmo o Partido Comunista põe em dúvida que a corrupção é um dos grandes problemas nacionais, o que não impediu um crescimento médio de dois dígitos nas últimas três décadas.

No entanto, segundo Jason Hickel, professor da London School of Economics, esta perspectiva oculta um problema muito mais fundamental em termos sistêmicos para a economia mundial: a corrupção dos países desenvolvidos. Trata-se de uma corrupção do colarinho branco, invisível e refinada, que foi uma das causas do estouro financeiro de 2008.Carta Maior conversou com Hickel sobre o tema.

Segundo a Convenção da ONU sobre Corrupção, ela custa aos países em desenvolvimento entre 20 e 40 bilhões de dólares anuais. É uma soma considerável. Mas você diz que, comparativamente, a corrupção do mundo desenvolvido é muito maior e tem um impacto sistêmico muito maior. Como chegou a essa conclusão?

Jason Hickel: O presidente do Banco Mundial, Jim Kim, fez este cálculo sobre o custo da corrupção no mundo em desenvolvimento. Mas esta soma, sem dúvida importante, constitui apenas cerca de 3% do total de fluxos ilícios que abandonam os países em desenvolvimento a cada ano. A evasão fiscal é 25 vezes maior que essa soma. No ano passado, cerca de um trilhão de dólares fugiram dos países em desenvolvimento e terminaram em paraísos fiscais por meio de uma prática  conhecida como re-faturamento, através da qual as empresas falsificam documentos para que seus lucros apareçam em paraísos fiscais nos quais não pagam impostos, ao invés de aparecer nas jurisdições onde as empresas realizaram esses lucros. É claro que isso é só parte do problema. Há outras práticas como o chamado preço de transferência. As multinacionais comercializam seus produtos entre suas próprias subsidiárias para pagar na jurisdição onde o imposto é mais baixo, algo que envolve cerca de um trilhão de dólares anuais, mais ou menos a mesma coisa que o re-faturamento.

Por que a evasão fiscal é tão fácil?

Jason Hickel: Porque as regras da Organização Mundial do Comércio permitem aos exportadores declarar o que bem entendam em suas declarações alfandegárias. Isso lhes permite subavaliar seus produtos para que paguem menos impostos. Isso não deveria nos surpreender dada a ausência de democracia interna da OMC.
O poder de negociação na OMC está determinado pelo tamanho do mercado e as decisões mais importantes são tomadas em reuniões do chamado “quarto verde”, administrado pelos países mais poderosos, de maneira que o comércio mundial termina sendo manipulado em favor dos ricos.

Curiosamente, no índice mais difundido em nível global sobre corrupção, o da Transparência Internacional, se apresenta um panorama exatamente oposto, ou seja, o mundo desenvolvido sofrendo nas mãos do mundo em desenvolvimento por causa dos estragos da corrupção. Qual sua opinião sobre esse índice?

Jason Hickel: Ele tem uma série de problemas. Em primeiro lugar, se baseia na percepção da corrupção que há no próprio país. De maneira que os pesquisados não podem dizer nada sobre o que pensam acerca de outros modos de corrupção como, por exemplo, os paraísos fiscais ou a OMC. Em segundo lugar, como o índice mede mais percepções do que realidades, está exposto às narrativas dos departamentos de relações públicas.

A narrativa dominante é promovida por um complexo de organizações, desde o Banco Mundial até a USAID e passando por muitas ONGs, que centram o tema da pobreza na corrupção dos próprios países em desenvolvimento. De maneira que não surpreende que os entrevistados terminem refletindo essa visão. Além disso, os índices se baseiam em dados de instituições como o Banco Mundial e o Fórum Econômico Mundial. Estas instituições, que representam países ricos ocidentais, tem interesse direto em manter essa narrativa sobre a corrupção.

Dois países que costumam estar na vanguarda de todas estas denúncias sobre a corrupção no mundo em desenvolvimento são Estados Unidos e o Reino Unido. Qual é a situação real destes países a respeito da corrupção?

Jason Hickel: Segundo a Transparência Internacional, os Estados Unidos estão bastante livres da corrupção. Segundo a Rede Tax Justice, em troca, os Estados Unidos estão em sexto lugar no ranking da corrupção mundial, devido ao fato de que têm jurisdições secretas que permitem que funcionem como centros de evasão tributária. Além disso, sabemos que a corrupção atravessa o sistema político estadunidense. As corrupções podem gastar dinheiro sem limites nas campanhas políticas para assegurar que seus candidatos sejam eleitos. Assim, não surpreende que mais da metade dos congressistas sejam multimilionários. E há outras formas de lobby político muito mais diretas.

Segundo a Rádio Nacional Pública, para cada dólar gasto pelas corporações em tarefas de lobby, elas obtêm um retorno de 220 dólares. E os sistemas regulatórios costumam ser capturados por gente dessas corporações que devem ser reguladas. O exemplo mais óbvio é Henry Paulson, o CEO de Goldman Sachs, que foi Secretário de Tesouro dos EUA e artífice do resgate que canalizou trilhões de dólares dos contribuintes para a banca privada.

Em resumo, as corporações abusam do Estado para seu próprio proveito, o que é a definição de corrupção da Transparência Internacional. O Reino Unido é outro grande exemplo. A City de Londres é um dos centros de funcionamento dos paraísos fiscais, de maneira que surpreende que o Reino Unido seja classificado pela Transparência Internacional como um país sem corrupção. E não é a única instância de corrupção. A privatização da infraestrutura pública, tanto do sistema nacional de saúde como a dos trens, permitiu que pessoas como o multimilionário Richard Bransen ganhassem milhões em subsídios estatais para sua empresa Virgin Trains.

Isso não elimina o fato de que a corrupção no mundo desenvolvido é real e tem um forte impacto social, econômico e institucional. Como deveria ser um índice neutro e justo sobre o tema da corrupção?

Jason Hickel: Certamente que a corrupção no mundo em desenvolvimento é real e não deve ser subestimada como problema. Mas é importante concentrar o olhar em formas de corrupção ocultas. No momento, o mais próximo que temos de um índice objetivo é o elaborado pela Rede Tax Justice. Neste índice, o ranking é elaborado considerando países responsáveis por ocultar cerca de 30 trilhões de dólares de riqueza em países fiscais. Se você olhar a lista verá que os países que encabeçam o ranking são Reino Unido, Suíça, Luxemburgo, Hong Kong, Singapura, Estados Unidos, Líbano, Alemanha e Japão. Estes são os principais centros de corrupção que devemos enfrentar.
 
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Sonegacao-dos-ricos-e-25-vezes-maior-que-corrupcao-nos-paises-em-desenvolvimento/7/30342